MOEDAS
CRIPTOGRÁFICAS:
ELÉTRONS COMO
FORÇA DE TRABALHO
BEM, Geyslan
Gregório
RESUMO
Breve explanação
do conceito moeda criptográfica e sua implicação na mudança de
paradigma da atribuição de valor e prova de trabalho comumente
aceitos. Tece sobre visões econômicas e o uso do modelo da demanda
e oferta nesse commodity.
Expõe métodos de obtenção e comercialização de moedas e
possibilita uma discussão sobre a viabilidade da criação de uma
nova/própria moeda.
ABSTRACT
Brief reasoning
of the cryptographic currency concept and its implication in the
paradigm change of the attribution of values and work-of-proof
commonly accepted. It discusses economic views and the use of the
model of supply and demand in this commodity. Exposes methods of
obtaining and trading currencies and provides a discussion of the
feasibility of creating a new/own currency.
Keywords:
Cryptocurrency, Cryptocoin, Work-of-proof, Mining, Economics,
Fiat-money, Paradigm breakthrough.
1. INTRODUÇÃO
“Economists,
and especially monetarists, tend to overestimate the purely economic,
narrow and technical functions of money and have placed insufficient
emphasis on its wider social, institutional and psychological
aspects. However,
money originated very largely from non-economic causes:
from tribute as well as trade, from blood-money and bride-money as
well as from barter, from ceremonial and religious rites as well as
from commerce, from ostentatious ornamentation as well as from acting
as the common drudge between economic men.” Roy
Davies
[1]
2. MOEDA
Uma vez que a
domesticação de animais nas culturas tende a preceder às
colheitas, o gado foi, provavelmente [1], a primeira forma de
dinheiro utilizada, por volta de 9.000 a 6.000 Antes
da Era Comum.
Tais animais eram, e ainda são em alguns lugares do planeta, meio
para transações de objetos. Dentre outros, os produtos da colheita,
os minerais preciosos, e os citados animais, foram os mais utilizados
por todo o período subsequente, até 687 AEC, quando a primeira
moeda bruta foi cunhada em Lídia [2-3], na Ásia Menor.
Fonte:
http://www.cngcoins.com/Coin.aspx?CoinID=57383
Dos primórdios do
dinheiro até hoje muito mudou, no entanto, sua propriedade básica
persevera: o valor
atribuído.
Com essa atribuição, o homem é capaz de facilmente se desfazer de
uma posse, material ou virtual, em troca de algum outro produto
social, também material ou virtual, por conta da valoração [4] e
consequente precificação das posses envolvidas.
A função por
excelência da moeda é a de intermediária
de trocas.
Para desempenhar esse papel ela não precisa ter nenhum valor
intrínseco
ou, como outrora, ser lastreada em metal precioso. Frise-se que a
moeda é um bem que possui confiança e aceitação geral pelos
agentes econômicos, estes sendo todos os indivíduos e instituições que, através das suas ações,
intervêm num sistema econômico. A medida de valor [5] também é função da moeda quando esta é precificada. E, por fim, ela
serve como reserva de valor, para indivíduos que não precisam gastá-la imediatamente, transformando-a em ativo financeiro.
2.1. DEMANDA POR
MOEDA
A teoria clássica
[5] diz que a moeda é demandada com a finalidade de se efetuarem
pagamentos originados por transações de compra e venda de bens e
serviços. Nesse pensamento, a demanda de moeda está diretamente
ligada a duas variáveis: volume de transações e velocidade da
moeda, esta última que representa o número de vezes que a moeda
gira para efetuar pagamentos (quanto maior a velocidade, menor a
necessidade de moeda).
Já John Maynard
Keynes, economista britânico, afirmou que a demanda de moeda é
originada por três motivos: transação, precaução e especulação.
A precaução
faz com que as pessoas demandem moeda para cobrir despesas em caso de
emergências, na vez que, por meio da especulação,
as pessoas preferem manter sua riqueza na forma de moeda (preferência
pela liquidez) garantindo maior taxa de juros em posterior aplicação.
2.2. CRIAÇÃO
(INJEÇÃO) DE MOEDA
Atualmente, a moeda
é criada tanto por meio de débitos e empréstimos, quanto por
medidas políticas como a Quantitative
easing [6]
ou
por simples impressão de mais papel moeda. Contudo, não deixa de
ser lastreada na riqueza real produzida pela economia num todo, pois
se houver injeção de moeda acima desse critério, o seu valor
decresce ocasionando a [7] inflação. Mesmo a moeda tendo um
contra-balanço, em princípio, para sua quantidade em circulação,
ela, em verdade, demonstra caráter ilimitado. É salutar se ater ao
fato de que a moeda é apenas uma representação intermediária de
valor, não havendo um objeto, material ou imaterial, ao qual se
possa identificar vínculo direto ao seu valor atribuído. Em suma,
moeda, como entendido nos dias de hoje, não é um bem escasso; é um
artifício controlador da economia de determinado Estado, criado, por
vezes, como uma renovação do ciclo de débito, haja vista a demanda
crescente por crédito.
3. MOEDA
CRIPTOGRÁFICA
Figura 2 - Imagens
ilustrativas das moedas criptográficas mais comuns (Litecoin e
Bitcoin, respectivamente)
Fonte:
http://arranrice.com/2013/12/26/trading-crypto-currencies/
Tudo se inicia
quando o pseudônimo Satoshi Nakamoto (pessoa ou grupo supostamente
detentor(a), hoje, de quase um milhão de bitcoins [8])
desenvolve o que foi chamado de “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic
Cash System” no paper [9] de mesmo título. A ideia de se criar uma
moeda virtual já havia sido discutida por Steven Levy [10], e a
custo computacional por Wei Dai [11], entretanto, foi após o advento
da rede bitcoin que o conceito de moeda criptográfica veio à tona.
É importante
relevar que essa nova “moeda” virtual em si não é uma moeda
como as que foram anteriormente citadas [12-16], ela carece, para a
terminologia econômica, de alguns aspectos como aceitação geral.
Porém, essa carência tende a se extinguir com o tempo, como pode
ser acompanhado pelo site coinmap.org
e pela adesão crescente [17-18] noticiada pela mídia.
3.1.
WORK-OF-PROOF
A moeda que o homem
recebe pela sua labuta diária (seja ela prestada fisicamente ou
intelectualmente) é uma mera contraprestação pecuniária. Em
resumo, o resultado de seu esforço é sua prova de trabalho, seu
work-of-proof. Na febre do ouro [19], o homem buscou obter resultados
futuros com a mineração desse metal maleável; tal anseio se
repetiu com a chegada das moedas criptográficas.
Um dos grandes
questionamentos contrários a essa nova moeda é o de que se está a
fazer dinheiro do nada. O que se esquece é que tais moedas virtuais
são escassas, finitas, contrariamente à moeda estatal que pode ser
criada facilmente. Frise-se, mais uma vez, que as “moedas”
virtuais são objetos valorados pela sua oferta e procura, dessa
forma se encaixando, perfeitamente, dentre as [20] commodities.
Ao se minerar a
moeda virtual diretamente pela rede peer-to-peer, o paradigma da
prova de trabalho é quebrado, pois esta não está mais atrelada ao
esforço físico ou intelectual, e sim à aceitação da própria
moeda depreendida pelo poder computacional empregado na sua mineração
(lastreio em bits [21]):
“They vote with
their CPU power, expressing their acceptance of valid blocks by
working on extending them and rejecting invalid blocks by refusing to
work on them.” [9]
Os
softwares específicos para a mineração (minerd, cgminer, cudaminer
etc) coletam as transações da rede, validam-nas evitando as
conflituosas, inserem-nas em grandes blocos, e processam os hashes
criptográficos inúmeras vezes, até encontrar um bom o bastante
para uso. Após isso submetem o bloco para a rede, adicionando-o à
cadeia de bloco [22]. Os mineradores estão, em suma, automatizando o processo de segurança
da rede e recebendo uma recompensa em troca.
Mesmo que sejam
contra esse novo tipo de moeda, as políticas estatais [23] não têm
o poder para recusarem sua circulação entre seus detentores. Além
das várias propriedades que tais moedas oferecem, sejam algumas
delas a descentralização, transações anônimas (se tomados os
cuidados necessários), segurança criptográfica, e custos
transacionais reduzidos a centavos (comparados às taxas exorbitantes
de cartões de crédito), há moedas paralelas à estatal [24-25] que
circulam livremente em várias sociedades e são forte exemplo de
fomentação de riquezas.
3.2. MANEIRAS DE
SE OBTER MOEDA CRIPTOGRÁFICA
No
Brasil há possibilidade de se comercializar (converter em/de moeda
estatal) duas moedas virtuais: bitcoin e litecoin. Através de
cadastro no site mercadobitcoin.com.br,
o usuário pode efetuar compras e vendas a um custo percentual
(intermediação). Essa empresa é uma sociedade limitada e está
registrada na Receita Federal com a atividade econômica secundária
descrita como “Atividades de intermediação e agenciamento de
serviços e negócios em geral, exceto imobiliários”. Há ainda
outros bons sites no exterior, já conhecidos dos investidores, nos
quais se pode transacionar outras coins: MtGox (mtgox.com),
e BTC-E (btc-e.com).
Outro
método, e mais empolgante, é o de mineração da moeda diretamente
pela rede peer-to-peer. Para tanto, o interessado deve dispor de
poder computacional para o processamento de hashes que comprovam sua
participação na construção da cadeia de blocos [26]. Transformar
elétrons em moeda é um pouco confuso quando não se tem em mente a
já discutida quebra de paradigma e aspectos sobre o funcionamento da
própria moeda em questão; como exemplo temos a sua própria
segurança que é fortalecida [27] a cada novo minerador de confiança
que se conecta à rede.
Figura 3 - Mineração
através do software cgminer.
Fonte: Rig do autor.
3.3. VIABILIDADE
DE MINERAÇÃO
A mineração
através de GPUs (2ª geração) ainda é possível para moedas
alternativas e ou novas, a maioria baseada no algoritmo Scrypt
[28], como a litecoin, todavia, quando se trata de mineração de
bitcoin, ou seja, moedas que usam o algoritmo sha-256
[29], o retorno financeiro só é alcançado com o uso de ASIC
[30] (Application-specific integrated circuit) (3ª geração), haja
vista o seu baixo consumo de energia e alto poder de processamento,
comparado às GPUs.
Isso se dá mais
pela dificuldade [31-32] que tais moedas apresentam. Logo as moedas
scrypt atingirão um nível de dificuldade tão alto que suas
minerações só se darão através de ASICs também. Trata-se
literalmente de uma “corrida do ouro”; quem conseguir “extrair”
mais moedas o mais breve possível, com o mínimo de consumo
energético e o máximo poder de processamento, terá, possivelmente,
maior prospecção de lucro.
Figura 4 - Evolução
da dificuldade de mineração da Litecoin de 05/2013 a 01/2014
Fonte:
http://bitcoinwisdom.com/litecoin/difficulty
Figura 5 - Evolução
da dificuldade de mineração da Bitcoin de 05/2013 a 01/2014
Fonte:
http://bitcoinwisdom.com/bitcoin/difficulty
Evidencia-se, pela
análise dos gráficos acima, que quanto maior a taxa de hash, maior
a dificuldade. Em poucas palavras, quanto maior o interesse no
minério de tal moeda, maior a dificuldade de mineração e,
consequentemente, maior poder de processamento necessário.
Rigs (equipamentos)
são comumente usados com o objetivo comum de minerar o máximo
possível com o mínimo de energia. Seu efetivo funcionamento depende
do conhecimento do interessado e da disponibilidade de partes (GPUs,
Placas mãe, ASICs) no mercado.
Alguns mineradores
são apenas hobbistas radicais [33] com pouco interesse no lucro da
moeda. Sua satisfação está em montar o rig e vê-lo funcionando.
Essa adesão se dá de forma similar a de hackers que participam de
meios open sources com o interesse apenas de contribuir. Contudo,
esse tipo de minerador faz parte de um ínfimo grupo, até por que o
intuito da grande maioria é deveras a obtenção de lucro.
Figura 6 - Minerador
com 6 (seis) GPUs (2 placas-mãe)
Fonte:
https://bitcointalk.org/index.php?topic=7216.2220
Figura 7 - Minerador
com 4 (quatro) GPUs
Fonte:
https://bitcointalk.org/index.php?topic=7216.2220
O maior problema dos
ASICs é sua indisponibilidade imediata. Os fabricantes tendem a
demorar de dois a três meses para fechar lotes de pré-compra. Em
suma, o interessado paga o produto (ou parte dele), aguarda o período
da fabricação e entrega (para o Brasil, ainda deve-se somar o custo
de 60% do imposto de importação mais ICMS). Tal demora encarece o
produto e aumenta sua inviabilidade, lembrando que a dificuldade da
mineração tende a aumentar constantemente: o minerador ASIC que
mineraria n
moedas no ato da compra, após todo o ínterim, ao ser recebido,
minerará sempre menos moedas.
Figura 8 - Vários
mineradores ASIC
Fonte:
http://www.indiegogo.com/projects/bitcoin-mining-hardware
Através
dos fatores analisados (custo e disponibilidade de hardware, consumo
de energia, facilidade de troca em moeda estatal, alta dificuldade de
mineração de bitcoins), e, ainda, usando-se GPUs, a litecoin
se destaca como a moeda em voga para mineração e rentabilidade
quase certa nos dias de hoje, demonstrando estabilidade e alavancagem
futura.
3.4. CRIANDO-SE A
PRÓPRIA MOEDA
Dar origem a uma
moeda ao bel prazer soa muito como uma utopia retirada de um conto
fantasioso. Defendendo o lado anti-cryptocoin,
o economista Paul Krugman no seu post Bitcoin
is Evil
[34] cita o posicionamento do escritor de sci-fi Charlie Stross [35]:
“To
editorialize briefly, BitCoin looks like it was designed as a weapon
intended to damage central banking and money issuing banks, with a
Libertarian political agenda in mind—to damage states ability to
collect tax and monitor their citizens financial transactions.
Which is fine if you're a Libertarian, but I tend to take the stance
that Libertarianism is like Leninism: a fascinating, internally
consistent political theory with some good underlying points that,
regrettably, makes prescriptions about how to run human society that
can only work if we replace real messy human beings with frictionless
spherical humanoids of uniform density (because it relies on
simplifying assumptions about human behaviour which are unfortunately
wrong).”
Krugman afirma,
corroborando com Stross, que o intento da bitcoin parece ser o de
destruir o controle estatal e bancário, assemelhando-se a uma
política libertarista. Ambos, propositalmente ou não, extrapolam a
questão ao deixar de analisar as nuances econômicas e atacando
diretamente um posicionamento político. A própria justificativa
inicial de Stross é sobre a proibição da troca local de bitcoins
na China; ora se vê o embasamento de ambos referenciando a atitude
de um país de política aquém da democrática, esta que não se
sobressai ao já esperado. Atente-se, ademais, para o fato de o
residente chinês não ter sido impossibilitado de negociar bitcoins
através da rede peer-to-peer diretamente com outros usuários ou
exchanges
no exterior.
Bitcoin é open
source
[36], ou seja, seus criadores não pretenderam torná-la uma [37-38]
“moeda criptográfica única”. Após seu surgimento, várias
altcoins
(alternative coins) foram criadas, baseadas no seu código aberto,
como por exemplo a litecoin, a peercoin, e a recente e famosa
dogecoin. Haja vista nem todos os aspectos de uma moeda criptográfica
agradarem seus usuários/mineradores, modificações a respeito de
volume de moedas, algoritmo utilizado para construção do bloco em
cadeia, tempo de liberação de novos blocos, dentre outras, são
feitas com o intento de se atingir um determinado público. Programar
na linguagem C é o mínimo que o aspirante à “cunhagem” deve
saber, além de deter conhecimento sobre criptografia, e, dependendo
das mudanças pleiteadas, sobre redes peer-to-peer.
De toda sorte, é
meritório ressaltar que algumas moedas criptográficas já foram
criadas e tiveram uma curta vida, isso devido à pequena aceitação
do público ou falta de divulgação necessária. Para se evitar uma
morte prematura, o interessado deve pesquisar bastante sobre as
principais características econômicas e tecnológicas envolvidas.
Ironicamente, o viés social, por vezes imprevisível, pode
transformar uma brincadeira como a dogecoin e seus memes [39-40] em
um negócio, até o momento, bastante promissor.
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